25 de jan. de 2022

O Estado Federal Brasileiro — Alfredo Buzaid

I

INTRODUÇÃO

SUMÁRIO: 1. A MANUTENÇÃO DO ESTADO FEDERAL É UMA CONSTANTE NAS ASSEMBLEIAS CONSTITUINTES DO BRASIL. – 2. ESTUDO DO ESTADO FEDERAL EM DUAS PROJEÇÕES: A) QUANTO AO DESENVOLVIMENTO; B) QUANTO À SEGURANÇA.

1 — Um dos temas mais fascinantes do Direito Constitucional Brasileiro é o Estado Federal. Adotado pela Constituição de 1891 (art. 1º), tornou-se uma ideia dominante na consciência jurídica nacional, a ponto de as Constituições prescreverem que não poderá ser admitido, como matéria de deliberação no Congresso, projeto tendente a aboli-lo. (1) As Assembleias Constituintes de 1891, 1934, 1946 e 1967, quando elaboraram a Carta Magna, timbraram de rigor em estatuir que a Constituição seria irreformável nesse ponto, por considerarem o regime federativo definitivamente incorporado, para todo sempre, (2) no organismo político da Nação. Há, pois, um cânon constitucional, solene e reiteradamente repetido, segundo o qual é defeso ao Congresso suprimir o regime federativo.

Ora, todos sabem que o regime federativo não é único, uniforme e invariável na legislação comparada. Ninguém ignora que as ideias, que sobre ele tiveram os Constituintes de 1891, diferem essencialmente da doutrina consagrada pelos Constituintes de 1967. Finalmente, é notório que, ao longo dos oitenta anos de vida republicana, sofreu alterações substanciais em seu conceito, em sua índole e em sua estrutura. Bastam estas observações preliminares para se ver quão complexa é a instituição, que constitui objeto desta aula.

2 — Não é nosso propósito, todavia, analisá-lo em sua integridade, que abrange a experiência histórica de outros países, as várias teorias sobre a sua natureza e as vicissitudes por que passou em sua evolução secular. Nosso intento é menos ambicioso; cinge-se à análise do direito brasileiro, encarando o regime federativo sob dois primas fundamentais: a) o do desenvolvimento econômico; b) e o da segurança nacional. As referências à doutrina e à legislação estrangeira far-se-ão na medida em que servirem para melhor explicar a sua influência na formação do direito positivo brasileiro.

A fim de compreender com clareza o conceito de Estado Federal, parece-nos de toda conveniência recordar, primeiro que tudo, como surgiu nos Estados Unidos, de onde se propagou como modelo para os outros povos.

II

O ADVENTO DO ESTADO FEDERAL

SUMÁRIO: 3. A ORIGEM DO ESTADO FEDERAL. – 4. AS ANTIGAS COLÔNIAS BRITÂNICAS NA AMÉRICA DO NORTE. CONFEDERAÇÃO – 5. ORGANIZAÇÃO DO ESTADO FEDERAL, SEUS CARACTERES ESSENCIAIS – 6. VARIAÇÕES NO REGIME FEDERATIVO.

3 — A origem da federação nos Estados Unidos é bem conhecida. Narram os publicistas que, sob o reinado de Jorge III, começaram a surgir dificuldades entre a Inglaterra e as colônias da América. Quando as medidas opressivas do governo da metrópole recrudesceram, treze colônias acordaram em estabelecer resistência comum, pois que, isoladas, poderiam ser presa fácil. Delegados das colônias reuniram-se em congresso a partir de 1765, mas só em 1777 lograram elaborar os Artigos da Confederação e União Perpétua dos Estados Unidos. Todavia, o triste espetáculo de suas dissensões intestinas e o desprezo com que eram tratados pelos governos estrangeiros convenceram-nos da necessidade de estabelecer uma união mais firme e mais estreita. Os defeitos da Confederação eram manifestos. Em fevereiro de 1787 adotou o Congresso resolução que recomendava convocar em Filadélfia, em maio uma convenção de Delegados de vários Estados para o fim de rever os Artigos da Confederação e elaborar relatório destinado ao Congresso e às diversas legislaturas. Desta Convenção saiu a Constituição dos Estados Unidos, que criou o Estado Federal. (3)

4 — As treze colônias britânicas, que constituíram o primeiro Estado Federal da história, (4) tinham características econômicas e sociais bem distintas e viviam sob regimes jurídicos próprios. Duas eram “Charter Colonies” (Rhode Island e Connecticut). Regidas por cartas outorgadas diretamente aos colonos; três eram “Proprietary Colonies” (Maryland, Delaware e Pennsylvania), governadas por autoridades escolhidas pelos proprietários, estando apenas estes sujeitos à soberania do Rei da Inglaterra; e oito eram “Royal Colonies” (Virginia, Massachusetts, New Hampshire, North Carolina, South Carolina, New York, New Jersey e Georgia), administradas por delegados da Coroa. (5)

Posto que separadas politicamente, as treze colônias guardavam entre si um vínculo oriundo da raça, do idioma e da religião. Desavindo-se com a metrópole, podia cada uma vindicar a independência, erigindo-se em nação soberana. Mas todas preferiram celebrar uma aliança, sacrificando a emancipação em benefício do esforço comum. A união americana, organizada sob a forma de regime federativo, obedeceu ao impulso para uma integração entre os Estados, tendo particularmente em vista o desenvolvimento que já se processava, complementando-se a economia dos Estados do Sul, fundamentalmente agrários, com a dos Estados do Norte, já em surto de industrialização. (6)

5 — Segundo autorizados mestres de Direito Público, os caracteres essenciais do regime federativo nos Estados Unidos são: a) a união, para fins comuns, de certo número de entes políticos autônomos, denominados Estados; b) a divisão do poder legislativo entre o Governo Federal e os Estados componentes, observando-se o princípio de que o primeiro é um “Governo de poderes enumerados”, enquanto os outros são Governos de “poderes residuais”; c) a operação direta, na maior parte desses centros de Governo, dentro de sua esfera específica, sobre todas as pessoas e propriedades compreendidas nos seus limites territoriais; d) a provisão por parte do Executivo, como do Judiciário; e) a supremacia do Governo Federal, dentro de sua esfera específica, sobre qualquer ponto controverso do poder estadual. (7)

A evolução por que passa o regime federativo nos Estados Unidos é profunda e substancial. Em sua primeira experiência denota a maior força dos Estados a que corresponde a fraqueza da União. A federação estabelecida em 1787 é denominada de “dualista” porque se funda “na concepção de dois campos de poder, mutuamente exclusivos, reciprocamente limitados, cujos governos se defrontam como autoridades absolutamente iguais”. Segundo tal doutrina, tanto o Governo Federal quanto os Estaduais se atribuem uma área de poder rigorosamente circunscrita. Desde que permaneçam dentro dos seus respectivos limites, os seus atos são válidos e não serão contestados pelos tribunais. Mas se excedem tais raias, então os seus atos serão ultra vires e, portanto, nulos. (8)

Mas a pouco e pouco vai a União Federal ganhando prestígio, autoridade e supremacia. Não tendo a Constituição norte-americana particularizado minuciosamente a discriminação das atribuições entre a União e os Estados, coube à Suprema Corte a tarefa de elaborar uma jurisprudência construtiva, definindo o sistema. A interpretação constitucional passa por três fases. A primeira, assinalada pela famosa decisão no caso McCulloch vs. Maryland, de que foi relator Marshall, consagra a doutrina do primado nacional. (9) A segunda fase, conhecida como “duplo federalismo”, admite a existência de dois governos independentes e soberanos: o da União e o dos Estados. (10) Esta concepção, que teve existência secular, se inicia no segundo quartel do século XIX, com a exegese construída por Taney. A terceira fase, chamada de “federalismo cooperativo”, entra pelos nossos dias, caracterizando-se por uma expansão de atividades nacionais, de tal sorte que a União e os Estados devem colaboração entre si e planejamento dos programas destinados a resolver problemas econômicos e sociais. Nesta fase ampliou a Suprema Corte “a repartição originária das competências, reconhecendo a legitimidade da legislação expansiva do Congresso nos Estados Unidos sobre matéria que a Constituição não lhe havia atribuído expressamente”. (11) A nota marcante do novo federalismo nos Estados Unidos está, pois, no primado do Governo Federal. (12)

6 — De todo o exposto, resulta que, desde o seu advento até a época atual, o regime federativo sofreu sensíveis variações, adotando em sua evolução tipos diversos. Um deles foi o duplo federalismo; outro, o federalismo cooperativo. Cada uma destas formas está intimamente ligada à filosofia política do Estado. Enquanto vigorou a doutrina do laissez-faire e se acreditou que uma espécie de harmonia preestabelecida era capaz de compor as relações entre o capital e o trabalho, a solução do duplo federalismo, considerando União e Estados entes politicamente iguais e operando cada qual na esfera de suas atribuições, correspondia ao ideal de não-intervenção do Estado na ordem econômica, financeira e educacional. Mas, como escreve Schwartz, a necessidade de exercer o poder nacional para atender às atuais exigências do governo levou ao abandono da igualdade como princípio básico da estrutura do federalismo americano. (13)

O federalismo cooperativo surge, pois, como manifestação das novas tendências do Estado moderno, cuja intervenção em diferentes setores se tornou um imperativo da política contemporânea, assim no plano interno como no plano internacional.

III

O ESTADO FEDERAL BRASILEIRO NO SISTEMA DA CONSTITUIÇÃO DE 1891

SUMÁRIO: 7. OS ALBORES DA IDEIA FEDERALISTA. – 8. TENDÊNCIAS DO CONGRESSO CONSTITUINTE. – 9. TRIUNFO DO FEDERALISMO DUALISTA. – 10. O USO DA INTERVENÇÃO FEDERAL PARA MANTER A ORDEM PÚBLICA. – 11. AS INTUIÇÕES DE EPITÁCIO PESSOA E ARTUR BERNARDES.

7 — Os albores da ideia federalista despontam no Brasil pouco depois da nossa emancipação política. (14) Foi objeto de debate nas reuniões da Câmara e do Senado do Império, quando se propôs o pedido de reforma da Constituição de 25 de março de 1824. (15) O Manifesto Republicano de 3 de dezembro de 1870 a consagra como exigência de nossa grandeza geográfica. Mas a ideia só triunfa com a implantação da República. O Decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889, dispõe: “Art. 1º. Fica proclamada provisoriamente e decretada como forma de Governo da nação brasileira a República Federativa. Art. 2º. As províncias do Brasil, reunidas pelo laço da federação, ficam constituindo os Estados Unidos do Brasil”.

8 — Quando se reuniu o Congresso Constituinte em 1891, a organização do Estado Federal suscitou largas e acaloradas polêmicas. Alguns, estando à frente Campos Sales, pregavam a doutrina ultrafederalista, segundo o qual os Estados-Membros eram entes soberanos. Em discurso proferido na Constituinte, Campos Sales, fazendo referência a “um acordo geral dos publicistas modernos”, sustentou que “o Estado federativo é aquele que se caracteriza pela existência de uma dupla soberania na tríplice esfera do poder público”. (16) Do mesmo sentir era João Barbalho, ao perfilhar a doutrina do federalismo dualista. (17) Ruy Barbosa insurge-se, todavia, contra esta tendência e, em célebre discurso que proferiu no Congresso a 16 de dezembro de 1890, exprobou os excessos, dizendo: “Ontem, de federação, não tínhamos nada. Hoje, não há federação que nos baste. Essa escola não pensa, ao menos, no papel vivificador da União, relativamente aos Estados, não sabe ver nela a condição fundamental da existência destes”. (18)

A tese advogada por Ruy Barbosa é que “fora da União não há conservação para os Estados”. (19) O intuito de Ruy Barbosa não é controverter questão jurídica de valor político. Quer provar matematicamente a proposição e, por isso, tomando um mapa organizado pelo Tesouro, sustenta “a demonstração financeira” da verdade. (20) O que preocupava Ruy Barbosa, no momento em que se elaborava a Constituição, era o plano sobre que deveria assentar a discriminação de rendas, da qual dependeria a fortuna ou a desgraça da União. E ajuntava: “Não somos uma federação de povos até ontem separados e reunidos de ontem para hoje. Pelo contrário, é da União que partimos. Na União nascemos. Na União se geraram e fecharam os olhos nossos pais. Na União ainda não cessamos de estar. Para que a União seja a herança de nossa descendência, todos os sacrifícios serão poucos”. (21)

9 — Malgrado o apelo de Ruy Barbosa, vingou na Constituinte de 1891 o federalismo dualista. Dado o seu caráter segregador, repugnava-lhe a ideia de que a União e os Estados pudessem manter relações frequentes e estreitas. Do espírito que animou o Congresso dá eloquente testemunho o art. 5º da Constituição de 1891. São suas palavras: “Art. 5º. Incumbe a cada Estado prover, a expensas próprias, às necessidades do seu governo e administração; a União, porém, prestará socorro ao Estado que, em caso de calamidade pública, o solicitar”. A falta de cooperação era tão nítida que a União só podia legitimamente prestar socorro se lho demandasse o Estado atingido pela calamidade pública. Regulamentando este preceito da Constituição, baixou o Governo Federal circular em 1897, em que estabeleceu, para a concessão da ajuda, comprovação documentada de que o Estado exauriu sem êxito todos os recursos disponíveis. (22)

A realidade é, porém, mais forte que a doutrina. A primeira ruptura na política de segregação ocorre após a seca do Nordeste declarada de calamidade pública. A União criou, pelo Decreto-Legislativo nº 7.619, de 21 de outubro de 1909, a Inspetoria Federal de Obras contra as Secas do Nordestes, sistematizando uma assistência planejada, contínua e racional, que veio a substituir as ajudas inspiradas em sentimento de caridade. Este foi o principal setor em que se manifestou a cooperação intergovernamental. Mas esse precedente teve a virtude de estimular a criação de outras formas de assistência que a União houve por bem conceder aos Estados, posto que esporadicamente e em casos especiais. (23)

10 — Embora o federalismo dualista apregoasse o alheamento da União, esta não ficou ausente na orientação da política dos Estados. Procurou, na verdade, exercer sobre eles certos controle. Fundada no art. 6º da Constituição, era-lhe lícito intervir nos Estados: a) para repelir invasão estrangeira ou de um Estado em outro; b) para manter a forma republicana federativa; c) para restabelecer a ordem e a tranquilidade nos Estados, à requisição dos respectivos Governos; d) e para assegurar a execução das leis e sentenças federais.

A intervenção federal foi um poderoso instrumento, de que se valeu a União, durante a primeira República, para a manutenção da paz e da ordem pública. Criticou-se, porém, tal prática, porque era “frequentemente utilizada para satisfação de propósitos políticos”. (24) Não nos cabe aqui, escrevendo um breve escorço histórico desse período, analisar as razões que levaram a União Federal a tomar medida excepcional e extrema, nem muito menos verificar se a intervenção fora decretada em conformidade com a regra constitucional. Partindo o ato do Presidente da República, é de se crer que o intuito, em que se inspirou, tivesse sido nobre e louvável. Seja qual for a interpretação, o certo é que, através dessa providência, foi possível manter a unidade política da Nação, não raro ameaçada por comoções intestinas. Se de uso desse recurso legal saiu a União fortalecida, o fato nada tem de censurável, pois a intervenção figurava entre as atribuições que a Constituição lhe conferiu.

11 — Na última década da primeira República, dois Presidentes revelaram profunda intuição do futuro do Brasil. Sobrepondo-se à limitação consignada no art. 5º da Constituição, esforçaram-se por ver o Brasil em sua realidade viva, em seus problemas regionais e em suas deficiências. Um deles foi Epitácio Pessoa. Das mensagens que enviou ao Congresso nos anos de 1920, 1921 e 1922 ressai claramente a preocupação em combater as secas do Nordeste, realizando obras que lhe permitissem o desenvolvimento. (25)

O outro foi Artur Bernardes. Em mensagem, ressaltando a necessidade da revisão constitucional, escreveu em linguagem quase profética: “Em regra, o Governo Federal ignora oficialmente o que ocorre na vida administrativa e, principalmente, na gestão financeira dos estados”. (26) Ele compreendeu que a União Federal não podia alhear-se da gestão financeira dos Estados, porque as condições de desenvolvimento dependiam do congraçamento de atividades comuns. Por outro lado, os Estados podiam contrair empréstimos dentro e fora do País, não estando sujeitos a qualquer controle da União Federal. (27) As consequências desta liberdade de contratar foram danosas ao País. (28)

IV

O ESTADO FEDERAL BRASILEIRO NO SISTEMA DAS CONSTITUIÇÕES DE 1934 E 1946

SUMÁRIO: 12. A CONSTITUIÇÃO DE 1934 REPUDIA O FEDERALISMO DUALISTA. – 13. AMPLIAÇÃO DOS PODERES DA UNIÃO – 14. ADOÇÃO DO FEDERALISMO COOPERATIVO. – 15. A CONSTITUIÇÃO DE 1946 MANTÉM AS CONQUISTAS DO FEDERALISMO COOPERATIVO. – 16. A POLÍTICA DO DESENVOLVIMENTO INTEGRADO. – 17. REALIZAÇÕES DA SUDENE.

12 — A Constituição de 1934 repudia o federalismo dualista e ensaia uma experiência de sistema cooperativo, ampliando os poderes da União Federal. Importantes inovações foram introduzidas, reconhecendo-se à União competência para: a) organizar a defesa externa e a polícia e segurança das fronteiras; b) autorizar a produção e fiscalizar o comércio de material de guerra de qualquer natureza; c) estabelecer o plano nacional de viação férrea e de estradas de rodagem, regulamentando o tráfego rodoviário interestadual; d) prover aos serviços da polícia marítima e portuária, sem prejuízo dos serviços policiais dos Estados; e) determinar o sistema monetário e instituir bancos de emissão; f) e fiscalizar as operações de bancos, seguros e caixas econômicas particulares. (29)

13 — Além disso, competia-lhe organizar o serviço nacional de combate às grandes endemias, ficando a seu cargo o custeio, a direção técnica e administrativa das zonas onde a execução do mesmo exceder as possibilidades dos governos locais; (30) organizar um plano sistemático de defesa contra os efeitos da seca nos Estados do Norte, despendendo com obras e serviços quantia nunca inferior a 4% (quatro por cento) de sua receita tributária sem aplicação especial; e legislar sobre o comércio exterior e interestadual, instituições de crédito, câmbio e transferências de valores para fora do País, normas gerais sobre o trabalho, a produção e o consumo, podendo estabelecer limitações exigidas pelo bem público. (31)

O instituto da intervenção ganha contornos mais claros e definidos. O art. 12 da Constituição dispõe que a intervenção tem lugar: a) para manter a integridade nacional; b) para pôr termo à guerra civil; c) para assegurar a observância dos princípios constitucionais; d) e para reorganizar as finanças do Estado que, sem motivo de força maior, suspender, por mais de dois anos consecutivos, o serviço de sua dívida fundada.

14 — A Constituição de 1934 representa um passo fundamental na implantação entre nós do federalismo cooperativo. Amplia os poderes da União sem destruir a autonomia dos Estados. Realiza nova política de colaboração, nomeadamente no plano tributário, mediante distribuição entre a União, os Estados e os Municípios do produto da arrecadação dos impostos criados na forma do art. 10 § VII.

Todavia, a sua efêmera duração não permitiu colher os frutos da nova experiência. A 10 de novembro de 1937 o País é surpreendido com a outorga de nova Carta Constitucional, que adota um Estado unitário descentralizado. Este perdura até o advento da Constituição de 1946, que restaura o regime federativo. O que se colhe, porém, da experiência realizada no Brasil e alhures, é que o federalismo segregador, nos moldes clássicos da Constituição de 1891, estava definitivamente abandonado. (32) 

15 — Sob o regime da Constituição de 1946, o federalismo cooperativo mantém as conquistas obtidas em 1934, amplia os poderes da União e disciplina a distribuição do produto de vários impostos. (33) Mas as importantes inovações, que o legislador constituinte corajosamente introduziu, conferem-lhe dimensão grandiosa no plano legislativo, financeiro e econômico. Atribui à União competência para legislar sobre: a) normas gerais de Direito Financeiro; b) regime penitenciário; c) e diretrizes e bases da educação nacional. (34) Assegura a participação dos Estados e Municípios no produto de vários impostos federais, como o de renda, sobre lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos, sobre energia elétrica e sobre minerais. (35) Inclui, entre as atribuições da União, a defesa permanente contra inundações; (36) determina que, pelo menos durante vinte anos consecutivos, aplicasse a quantia de 3% (três por cento) da renda tributária da União na execução do plano de valorização econômica da Amazônia; (37) impõe-lhe que coopere com auxílio pecuniário para o desenvolvimento dos sistemas de ensino dos Estados e do Distrito Federal; (38) e incumbe-lhe a elaboração e execução de um plano de aproveitamento total das possibilidades econômicas da bacia do rio São Francisco. (39)

16 — O elemento característico da última fase do federalismo brasileiro está na política da União de promover o desenvolvimento da economia nas regiões menos beneficiadas pelo progresso. “A intensidade da cooperação financeira nessas áreas constitucionalmente consagradas”, assinala Raul Machado Horta, “determinou a formação de verdadeiros orçamentos federais regionais dentro do orçamento da União, para abranger os encargos federais originariamente concentrados na Comissão do Vale do São Francisco, da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia e no Departamento Nacional de Obras contra as Secas”. (40)

Esta feliz inovação demonstra que a cooperação transcende a esfera das meras relações entre a União, Estados e Municípios para projetar uma nova perspectiva, que revela a preocupação do Governo Federal em promover um desenvolvimento integrado da economia brasileira.

17 — Um exemplo vivo dessa tendência está na criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). Para a execução do sistema de ajuda federal ao Nordeste, foram elaborados vários planos, O primeiro indica, segundo Raul Machado Horta, que no período de 1952 a 1958 as despesas da União no Nordeste sextuplicaram, enquanto que a receita federal proporcionada pela região triplicou. De acordo com os elementos constantes da Introdução do referido plano, a União despendeu no Nordeste, em 1952, Cr$ 2,00 para cada um que arrecadou; em 1957, a relação foi de Cr$ 4.00 para Cr$ 1,00; e em 1958 a proporção era de quase Cr$ 5,00 para cada Cr$ 1,00 arrecadado. (41) A União Federal não regateou recursos no programa de ajuda e recuperação econômica do Nordeste.

V

O ESTADO FEDERAL BRASILEIRO NO SISTEMA DA CONSTITUIÇÃO VIGENTE

SUMÁRIO: 18. CARACTERES ESSENCIAIS DO FEDERALISMO NO PLANO DA SEGURANÇA E DO DESENVOLVIMENTO. – 19. CONCEITO DE SEGURANÇA. A GUERRA REVOLUCIONÁRIA. – 20. A AÇÃO DA POLÍCIA FEDERAL. – 21. ÁREAS DE SEGURANÇA NACIONAL. – 22. O DESENVOLVIMENTO: VISÃO GLOBAL DAS NECESSIDADES E PREVISÃO SEGURA DOS RECURSOS. – 23. DIRETRIZES DA POLÍTICA ECONÔMICO-FINANCEIRA. – 24. DESENVOLVIMENTO NO PLANO REGIONAL. – 25. DESENVOLVIMENTO NO PLANO SETORIAL.

18 — Sob o regime da Constituição atual o federalismo ganha novas proporções. Os problemas surgidos após o triunfo da Revolução de 31 de março de 1964 levaram necessariamente o legislador constituinte a fortalecer a União a fim de preservar a ordem, a paz, a segurança e o desenvolvimento. Os caracteres essenciais do regime federativo podem ser estudados sob dois aspectos: a) no plano da segurança; b) e no plano do desenvolvimento.

a) Segurança Nacional

19 — O Brasil tem consciência da importância dessa ideia para a consecução do bem comum. A segurança nacional é, como lembra o General Eduardo Domingues de Oliveira, — de resto exprimindo a própria conceituação da Escola Superior de Guerra — “o grau relativo de garantia que, através de ações políticas, econômicas, psicossociais e militares, o Estado proporciona, em determinada época, à Nação que jurisdiciona, para a consecução ou manutenção dos objetivos nacionais, em face dos antagonismos existentes”. (42) Todas as pessoas naturais e jurídicas são responsáveis pela segurança nacional. (43) Ela compreende, outrossim, como preceitua o art. 92 da Constituição, outros encargos que serão definidos por lei. O estabelecimento da paz e da ordem internas, que é essencial para a política de segurança, compete também aos poderes estaduais. Daí decorre que cabe à União a coordenação geral da política de segurança em todo o território da República.

Na conjuntura atual a segurança sofre os efeitos da guerra subversiva, adversa e psicológica. Para bem entendê-la, é necessário recordar alguns fatos. As esquerdas, que haviam empolgado o Governo João Goulart, já supunham estar na grande véspera da sovietização do Brasil. Mas, tendo sido fragorosamente vencidas pela Revolução Democrática de 31 de março de 1964, invadiu-lhes um complexo de frustração. É que o Brasil representava um ponto básico no processo de implantação do comunismo no continente americano. Depois do malogro, procuraram as esquerdas reagir por diferentes modos. Inicialmente, buscaram lançar o descrédito sobre o Brasil; depois, promoveram agitações nos meios universitários; e, finalmente, sob a inspiração do Congresso Tricontinental de Havana, organizaram a violência, atacando quartéis, sequestrando diplomatas, assaltando bancos, cometendo atentados pessoais e fomentando a pirataria aérea.

Essa minoria esquerdista, adrede preparada em países que adotaram o regime marxista, tenta perturbar a ordem pública e propagar o terror. O combate à subversão tem, pois, significado especial no regime federativo. Requer concentração de recursos, unidade de comando e presteza de ação. Ora, para alcançar estes objetivos, força é ampliar os poderes da União, estendendo a sua ação saneadora em todo o território nacional.

20 — Para a execução da política de segurança nacional, a Constituição previu as medidas necessárias. Uma delas concerne à Polícia Federal, organizada, entre outras finalidades, para prevenir e reprimir o tráfico de entorpecentes e drogas afins. O legislador bem sabia que um dos pontos do programa esquerdista é o de desmoralizar, corromper e aniquilar a mocidade do mundo democrático. A juventude, viciada pelo uso de entorpecentes e drogas afins, perde a dignidade e o senso moral, torna-se imprestável e facilmente pode ser dominada. A propaganda feita nos meios escolares, incentivando os jovens a usarem entorpecentes, é atividade manifestamente subversiva. Correlata com esta tática está a divulgação da imoralidade nas casas de diversões públicas. Não se trata de exibição esporádica de peça ou filme que ofende os bons costumes; é a exibição em série, programada com o propósito de diluir os sentimentos éticos da Nação brasileira. Daí a razão por que foi atribuída à Polícia Federal a competência para prover à censura de diversões públicas. (44)

21 — Razões especiais podem determinar que certos municípios sejam declarados de “interesse da segurança nacional”. (45) É óbvio que os seus prefeitos devem ser escolhidos em observância ao plano de segurança nacional. Quis a Constituição, para ser fiel ao regime federativo, que fossem nomeados pelo Governador do Estado. Todavia a escolha do nome depende de prévia aprovação do Presidente da República, (46) porque lhe cabe a suprema direção da política de segurança nacional.

A Constituição prevê a intervenção do Estado no município, quando “forem praticados, na administração municipal, atos subversivos”. (47) Esta inovação é do mais alto alcance, porque impõe ao Governo do Estado a responsabilidade de cooperar no combate à subversão, fiscalizando a administração municipal. A Constituição não se contentou com atribuir a toda pessoa natural ou jurídica o dever de participar do plano da segurança nacional. No município, cuja administração pratique atos subversivos, a intervenção é obrigatória.

b) Desenvolvimento Nacional 

22 — A Constituição consagra o princípio de que cabe à União programar, dirigir e acelerar o desenvolvimento nacional. Sob este aspecto, compete-lhe promover a política social, econômica, financeira e agrária; regular a moeda e controlar o sistema de bancos, de câmbio, de comércio interno e exterior e de transferência de valores para fora do País; incrementar os transportes e interligar os Estados através da telecomunicação. Servindo-se da política fiscal, encoraja inversões e reinversões no Nordeste e na Amazônia, estimula a produção servindo-se dos incentivos e democratiza o capital das empresas, fazendo com que o povo participe delas.

Ora, só a União pode ter visão global das necessidades do País e previsão segura dos recursos a serem aplicados. Aquela depende da largueza de compreensão do Governo Federal, ao encarar a economia no plano nacional, regional e setorial. Esta resulta das novas diretrizes política financeira e tributária, implantada através de importantes reformas, dentre as quais ressaltam a Emenda nº 18 à Constituição de 1946 e a Lei nº 4.595 de 31 de outubro de 1964. E ambas representam uma conquista da Revolução de 31 de março de 1964. 

23 — Para assegurar as diretrizes da política econômica e financeira, criou a Constituição novo fundamento que autoriza a intervenção da União nos Estados. É o que estatui no “Art. 10. A União não intervirá nos Estados, salvo para: ……… V — reorganizar as finanças do Estado que: ……… c) adotar medidas ou executar planos econômicos ou financeiros que contradizem as diretrizes estabelecidas em lei federal”. 

O art. 23. II, § 5º, da Constituição prescreve que o imposto sobre circulação de mercadorias, que é decretado pelo Estado, seja uniforme nas operações internas e interestaduais; o Senado Federal, mediante resolução, tomada por iniciativa do Presidente da República, fixará as alíquotas máximas para as operações internas, as interestaduais e as exportação.

A aplicação dos fundos de participação dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios será regulada por lei federal, cabendo ao Tribunal de Contas da União proceder ao cálculo das cotas. O Tribunal de Contas, procurando sistematizar os critérios para a aplicação dos fundos, baixou a Resolução n°s 90 e 96, como roteiro, e exerce rigorosa fiscalização desse investimento. Todavia, a Constituição prevê que a entrega depende de aprovação de programas de aplicação elaborados pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, com base nas diretrizes em prioridades estabelecidas pelo Poder Executivo Federal.

24 — A política econômica de caráter regional foi uma das inovações mais importantes do sistema político brasileiro. Quem a estudar, à luz do federalismo dualista da Constituição de 1891, ficará por certo estarrecido, observando que os velhos princípios foram totalmente olvidados. Mas, quem se situar nas perspectivas de novo federalismo, que não pode desconhecer os fatores econômicos do desenvolvimento, louvará a profunda alteração constitucional, que está em harmonia com as diretrizes do Estado moderno. 

A Constituição vigente deu um passo fundamental a este respeito, declarando que compete à União estabelecer e executar “planos regionais de desenvolvimentos”. (49) O quadro que segue dá uma ideia dos investimentos em 1970 e 1971 efetuados nas entidades que promovem o desenvolvimento nas mais variadas regiões do País:

25 — No plano setorial a política de desenvolvimento é feita através do Banco do Brasil S.A., do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico, do Banco Nacional da Habitação e do Programa de Integração Social. Os dois primeiros facilitam o crédito e o financiamento industrial, comercial e agrícola; o terceiro contribui para solucionar o problema da residência, de modo que cada um possa ter casa própria; o último representa a proteção ao trabalhador, realista e objetiva, instituída para revalorização do homem.

A Revolução de 31 de março de 1964 resolveu, é certo, problemas regionais ou setoriais, mas dentro de um Programa de Integração Nacional que constitui, por sua compreensão, a mais profunda e corajosa de quantas reformas já alteraram a fisionomia do País. Ainda recentemente o Decreto-lei n° 1.106, de 16 de julho de 1970, atribuiu à União, para o cumprimento desse plano, recursos orçamentários, incentivos fiscais, contribuições, doações, empréstimos de instituições financeiras e outros meios oriundos de fontes diversas (art. 4°). Quais são os reflexos que a nova política econômico-financeira produziu no Estado Federal brasileiro? Que transformações gerou em sua estrutura? Em que medida pôs o regime em consonância com a realidade nacional? É o que analisaremos na derradeira parte desta aula, definindo as linhas fundamentais do sistema, tal como se encontra na Constituição vigente.

VI

PERSPECTIVA DO ATUAL ESTADO FEDERAL BRASILEIRO

SUMÁRIO: 26. O BRASIL NÃO NASCEU DE UMA FEDERAÇÃO – 27. A INTERVENÇÃO DO ESTADO NA ECONOMIA. SEUS EFEITOS – 28. O BRASIL CRIA O FEDERALISMO DE INTEGRAÇÃO.

26 — O Brasil não nasceu de uma Federação de Estados originariamente livres, soberanos e independentes. Antes de adotar o regime federativo, o Brasil era uno. Ao tempo do Império incluiu a Constituição de 25 de março de 1824, entre as atribuições da Assembleia Geral, a de promover o bem geral da nação (art. 15, n° 9). O legislador viu aí o Brasil como um todo orgânico. Sucede, porém, que no último quartel do século passado a evolução econômica do país assinala um desenvolvimento maior das províncias do sul, contrastando com o ritmo menos acelerado das províncias do norte. Quando a República implantou a federação, ficaram entregues à sua própria sorte. A disparidade no desenvolvimento criou desequilíbrio entre as regiões geoeconômicas. Enquanto os Estados do sul se tornavam ricos, prósperos e influentes, os Estados do norte progrediram lentamente. Em obséquio ao princípio do federalismo dualista e do liberalismo do laissez-faire, era defeso à União intervir na ordem econômica e promover o desenvolvimento das regiões menos favorecidas pela riqueza.

27 — Os resultados da Guerra Mundial de 1914 vieram demonstrar as insuficiências do regime liberal, que confiava na livre concorrência o equilíbrio social. Mas, desde que se malograram as esperanças nesse sistema, o Estado passou a intervir na ordem econômica, certo de que poderia compor satisfatoriamente os conflitos sociais. Durante algum tempo as medidas tiveram caráter emergencial, buscando resolver os casos à medida que surgiam. Careciam, pois, de planejamento. Todavia, à força de se repetirem as providências individuais e específicas, a economia adquire a consciência da necessidade de programação. Não causa assim surpresa a observação de Ludwig V. Mises, para quem “o acontecimento mais importante na história dos últimos cem anos foi a substituição do liberalismo pelo estatismo”. (50)

Sem chegar ao extremo de admitir a procedência desta assertiva, verdade é que o Estado moderno reconheceu que devia intervir na ordem econômica, elaborando programas de aumento do produto nacional bruto, recuperação de áreas menos desenvolvidas e intensificação do desenvolvimento. A política, indissoluvelmente ligada à economia do planejamento, passa a encarar a nação em sua unidade e não como simples soma de partes distintas. O seu objetivo se concentra no plano de integração nacional.

28 — Esta tendência de política legislativa dá lugar à formação de novo tipo de federalismo. A forma, que veio a receber, contém o federalismo cooperativo, porque dele recebeu importantes conquistas; mas o supera, ao atribuir à União maior soma de poderes para dirigir a política nacional. O propósito da constituinte não foi o de destruir as unidades federadas, cuja autonomia respeita, mas sim o de construir o novo Brasil, cuja grandeza depende do desenvolvimento integrado de todas as regiões. Estas não se confinam dentro dos limites territoriais de um Estado; abrangem amplas áreas que incluem vários Estados. E esse novo tipo, que promove o desenvolvimento econômico, com o máximo de segurança coletiva, ousamos denominar federalismo de integração. O federalismo dualista se fundava no princípio do equilíbrio entre a União e Estados; o federalismo cooperativo formula o princípio da suplementação das deficiências dos Estados; o federalismo de integração representa o triunfo do bem-estar de toda a nação. Ele busca, portanto, reencontrar-se com a realidade nacional, traduzindo os legítimos anseios do povo, que cria um país economicamente forte, socialmente justo e eticamente digno.

Dentro deste novo tipo de federalismo, os Estados não entram em choque com a União; são beneficiários desta na medida em que as regiões menos desenvolvidas se recuperam economicamente. A política de integração não se limita às relações intergovernamentais; atinge o país em todas as direções, proporcionando progresso ordenado e racional.

Estas são algumas ideias que a análise da matéria nos sugere e que submetemos à clara visão desta Escola, onde, há duas décadas, pelo estudo dos problemas brasileiros, se prepara uma elite de intelectuais e dirigentes do país, iluminando-os pelo saber e pelo devotamento à Pátria.

Alfredo Buzaid
Aula inaugural do Curso da Escola Superior de Guerra, em 10 de março de 1971.

Notas e Referências

(1) Cf. Constituição de 1891, art. 90, § 4°; de 1934, art. 178, § 5°; de 1946, art. 217, § 6°; de 1967, art. 50, § 1° (e Emenda de 1969, art. 47, I, § 1°).

(2) Ruy Barbosa, Comentários à Constituição Federal Brasileira, vol. VI, pág. 487.

(3) Cf. Thomas M. Cooley, The General Principies of Constitutional Law, Boston, 1931, págs. 9 e segs. James Bryce, The American Commonwealth, Londres, 1908, vol. I, págs. 19 e segs.; Ernesto Leme, O Artigo 63 da Constituição, págs. 11 e segs.; Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, Natureza Jurídica do Estado Federal, 1948, São Paulo, págs. 11 e segs.

(4) A ideia de unir cidades independentes para lograr interesses comuns ou enfrentar ameaças externas surge na Grécia, particularmente entre os séculos V e III antes da Era Cristã. Ensina o Prof. Georges Ténékidês que as cidades gregas, em busca de colaboração, eram impelidas a confederar-se: a) pela necessidade de garantir a sua segurança (solidariedade por semelhança); b) pela impossibilidade em que se achavam de organizar sua economia numa base autárquica (solidariedade por divisão do trabalho). Os autores gregos notaram com muita inteligência que nenhum indivíduo isolado tem o privilégio da autarquia (Georges Ténékidês, Le Fédéralisme Grec du V° au III° avant IC, em Le Fédéralisme, pág. 216). Grande foi o número dessas confederações, tendo existido, no período de três séculos, nada menos que quatorze. De seu minucioso estudo podem extrair-se, conforme Georges Ténékidês, pelo menos três leis: a) a da autonomia; b) a da participação; e c) a do objetivo comum (op. cit., pág. 223). A primeira exprime a constante de que, nessas confederações, não perdem os componentes a integridade territorial e a faculdade de a cidade escolher livremente o seu regime político; de que é vedado impor guarnição, autoridade permanente ou representante extraordinário exercendo atos de governo, bem como de instituir tributo de prazo certo ou contribuições excepcionais; de que inexiste obrigação de fornecer incondicionalmente contingentes armados, nomeadamente sem haver tomado parte na deliberação que declarou a guerra; e, finalmente, de que não se sacrifique a independência dos tribunais (op. cit., pág. 226). A segunda traduz a constante de que todos os membros da confederação devem ter igual participação nas decisões, disponde de voz e voto na dieta, embora na realidade a disparidade de poderio entre eles não tenha obstado a hegemonia de uns sobre outros (op. cit., págs. 228 e segs.). A terceira é o móvel da confederação, visando a segurança contra dominação estrangeira (op. cit., pág. 232). De uma quarta lei se pode falar, concernente à identidade de regimes políticos. É que, para a sua efetivação, há que haver um mínimo de unidade dos entes que se agrupam (op. cit., pág. 225).

(5) John H. Fergunson e Dean E. McHenny, The American Federal Government, 9ª Ed., 1967, págs. 41 e segs.

(6) Cf. Charles A. Beard, An Economic Interpretation of the Constitution of the United States, 3ª Ed., 1961, págs. 52 e segs.

(7) Cf. Corwin, The Government of the United States of America: Analysis and Interpretation, 1952, pág. XI; Schwartz, American Constitutional Law, pág. 30.

(8) Cf. Schwartz, American Constitutional Law, pág. 63. A doutrina norte-americana se funda no princípio de que a Constituição define os poderes do Estado e discrimina as competências, nomeadamente as atribuições da União e dos Estados. Qualquer ato da legislatura ou do Executivo, avesso à Constituição, incorre em nulidade, porque excede a competência da autoridade (Cf. Black, American Constitutional Law, n° 22; Kent, Commentaires, vol. I, pág. 337; Ruy Barbosa, Os Atos Inconstitucionais do Congresso e do Executivo, págs. 41 e segs.; Alfredo Buzaid, Da Ação Direta de Declaração de Inconstitucionalidade, pág. 21)

(9) The Writings of John Marshall, págs. 24 e segs.

(10) Cf. Leda Boechat Rodrigues, A Corte Suprema e o Direito Constitucional Americano, 1958, pág. 80.

(11) Raul Machado Horta, Problemas do Federalismo, em Perspectivas do Federalismo Brasileiro, pág. 17.

(12) Schwartz, American Constitutional Law, pág. 184.

(13) Schwartz, American Constitutional Law, pág. 184.

(14) Levi Carneiro sustenta, porém, que o sentimento federalista constitui “um objetivo constante de quatro séculos de nossa evolução política” (Levi Carneiro, Primeiro Congresso de História Nacional, vol. III, pág. 197). O Ato Adicional, no entender de Tavares Bastos, “se não estabelecia a federação, participava de ambos os sistemas” (Tavares Bastos, A Província, Ed. Nac., 1937, pág. 91). Podem ainda ser lembradas, como manifestação da ideia, a Confederação do Equador e a República do Piratini (cf. Raul Machado Horta, A Autonomia do Estado-Membro, pág. 73).

(15) Raul Machado Horta, A Autonomia do Estado-Membro, pág. 73.

(16) Cf. Raul Machado Horta, A Autonomia do Estado-Membro, págs. 79 e segs.

(17) João Barbalho, Constituição Federal Brasileira, 2ª Ed., págs. 14 e segs.

(18) Ruy Barbosa, Obras Completas, vol. XVII, Tomo I, pág. 151.

(19) Ruy Barbosa, Obras Completas, vol. XVII, Tomo I, pág. 161.

(20) Ruy Barbosa, Obras Completas, vol. XVII, Tomo I, pág. 161.

(21) Ruy Barbosa, Obras Completas, vol. XVII, Tomo I, pág. 146.

(22) Cf. João Barbalho, op. cit., pág. 27; Raul Machado Horta, Problemas do Federalismo, em Perspectivas do Federalismo Brasileiro, pág. 25; idem, Tendências do Federalismo Brasileiro, em Revista de Direito Público, vol. IX, pág. 9.

(23) Raul Machado Horta lembra certas subvenções, que figuravam na cauda dos orçamentos, a cessão por empréstimo aos Estados do Pará e de Santa Catarina de duas dragas, a contribuição federal aos Estados para a construção de suas estradas e a destinação de 2% (dois por cento) da receita geral da República para as despesas com as obras de irrigação de terras cultiváveis do Nordeste (Raul Machado Horta, Tendências do Federalismo Brasileiro, em Revista de Direito Público, vol. IX, pág. 10).

(24) Raul Machado Horta, Tendências do Federalismo Brasileiro, em Revista de Direito Público, vol. IX, pág. 11.

(25) Documentos Parlamentares, Mensagens Presidenciais, vol. IV, páginas 275, 392 e 514; cf. Raul Machado Horta, Tendências do Federalismo Brasileiro, em Revista de Direito Público, vol. IX, pág. 10.

(26) Diário do Congresso Nacional, 4 de maio de 1924, pág. 120. 

(27) Cf. João Barbalho, op. cit., pág. 523 e segs.

(28) Raul Machado Horta, Tendências do Federalismo Brasileiro, em Revista de Direito Público, vol. IX, pág. 11.

(29) Constituição de 1934, art. 5°.

(30) Constituição de 1934, art. 140.

(31) Constituição de 1934, art. 5°, XIX.

(32) M. Seabra Fagundes, Novas Perspectivas do Federalismo Brasileiro, em Revista de Direito Público, vol. X, pág. 8.

(33) Raul Machado Horta, A Autonomia do Estado-Membro, pág. 226; José Luiz de Anhaia Melo, O Estado Federal e as suas Novas Perspectivas, pág. 151.

(34) Constituição de 1946, art. 5°, XV.

(35) Constituição de 1946, art. 15, ns. III e IV, §§ 2° e 4°.

(36) Constituição de 1946, art. 5°, XIII.

(37) Constituição de 1946, art. 199.

(38) Constituição de 1946, art. 171, parágrafo único.

(39) Constituição de 1946, Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, art. 29.

(40) Raul Machado Horta, Tendências do Federalismo Brasileiro, em Revista de Direito Público, vol. IX, pág. 17. 

(41) Raul Machado Horta, Tendências do Federalismo Brasileiro, em Revista de Direito Público, vol. IX, pág. 18.

(42) Eduardo Domingues de Oliveira, Segurança Nacional, em Revista Brasileira de Estudos Políticos, vol. 21, pág. 79.

(43) Constituição de 1967 (Emenda n° 1), art. 87.

(44) Constituição de 1967 (Emenda n° 1), art. 8°, VIII.

(45) Constituição de 1967 (Emenda n° 1), art. 89, parágrafo único.

(46) Constituição de 1967 (Emenda n° 1), art. 15, § 1°, “b”.

(47) Constituição Federal (Emenda n° 1), art. 15, § 3°, “e”.

(48) Constituição de 1967 (Emenda n° 1), art. 25, § 1°, “a”. O fundo de participação se origina do Imposto de Renda e do Imposto de Produtos Industrializados. O mapa que ora se publica contém a distribuição no exercício de 1970:

(49) Constituição de 1967 (Emenda n° 1), art. 8°, XIV.

(50) Ludwig V. Mises, Le Gouvernement Omnipotent, pág. 73.

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